O mundo em três
polegadas
Ruy Castro
Semana
passada, no complexo ato de pendurar um quadro, dei sem querer uma martelada no
dedão. Passadas as bufadas e imprecações de praxe, pensei em como aquela era
uma atividade de risco para um instrumento tão rico e delicado: o dedo polegar.
Por coincidência, no dia seguinte, li na Folha a candente defesa da
psicanalista Anna Veronica Mautner ("Equilíbrio", 10/1/2012) sobre
este órgão que ameaça ficar obsoleto, desbancado por seu vizinho, o indicador.
Durante
milhares de anos, diz Anna Veronica, o polegar opositor nos permitiu pegar,
agarrar, puxar, pinçar, escrever, desenhar, colorir, dobrar, aparafusar, medir,
acariciar etc. e, digo eu, fazer aquele sinal de positivo ou negativo. Foi o
polegar que promoveu a pata à mão, e deu no que deu. Quanto ao indicador, só
servia, até bem pouco, para furar bolos e dedurar pessoas.
Agora,
com o avanço da tecnologia, a vida parece se resumir a digitar teclas de uma
maquininha - às vezes, uma única tecla -, e ela faz o resto. Tal gesto, de
fato, é mais apropriado para o indicador. Anna Veronica se pergunta
que humanidade
nascerá do uso obsessivo desse dedo. E propõe que as escolas continuem a tentar
adestrar as crianças para o uso da mão inteira, antes que os robôs assumam de
vez as funções desta.
Estou
solidário com Anna Veronica e estendo minha preocupação à crescente
desnecessidade do ser humano de enxergar ao longe. Bilhões de pessoas passam
agora o dia de olhos fixos numa telinha de três polegadas, a uma distância
pouco maior que seus narizes. O horizonte ficou a 5 cm. O universo circundante
deixou de existir, ou só existe para ser "acessado" via telinha. Tudo
se resolve nela.
Órgãos
pouco usados se atrofiam, como se sabe. Ou essa lei deixará de valer, ou vem
por aí uma vasta geração de míopes.