Os domingos
O domingo foi para mim, na
infância e na juventude, a prova semanal da existência de Deus. Maior que os
outros dias, começava já no sábado, quando eu ia dormir cedo para aproveitar um
sono cheio de expectativa. Ao me levantar, abria logo a janela e contemplava o
céu sempre de um azul majestoso. À hora do almoço, vinham seus cheiros e
paladares. A ida ao cinema determinava a linha divisória entre o cotidiano e a
fantasia. Depois, caminhar na rua principal, o sorvete e a sinuca. O resto da
semana não passava de uma cansativa espera em que o sentimento mais marcante era
o ódio às segundas-feiras. Assim foi até que um dia, já enfrentando os
problemas da vida, concluí dramático:
─ O domingo é uma ilusão.
Foi a mais triste constatação da
minha juventude. Outros domingos viriam. Já casado, decidi dar uma folga à
mulher, almoçando em restaurante nesses dias. Ideia tão boa que ocorreu a milhões
ao mesmo tempo. Só a escolha do lugar já era um prazer, embora nem sempre se
chegasse a um fácil acordo. A seleção não se limitava à quantidade dos pratos.
Onde há boa comida, a fila de espera vai até a esquina, o que tira a paciência
de qualquer um. Os melhores e os mais baratos nisso se igualam: no mínimo uma hora
de tortura. Um domingo, afinal, encontramos um restaurante vazio. Quando íamos
embora, o proprietário veio nos agradecer. Disse que o restaurante esteve
fechado por trinta dias.
─ Luto? Perguntei curioso.
─ Acusaram-nos de falta de higiene.
Maldade. Insetos existem em toda parte, não?
Resolvemos trocar os simples
almoços por pequenas viagens dominicais. Por que não pegar o carro de manhã bem
cedo e voltar à noite? Assim foi. É certo que demoramos algumas horas para
chegar à praia, mas conservamos o bom humor. Com aquele calor, não conseguimos
encontrar uma única cerveja gelada nos bares. Aconselharam-nos a procurar nos restaurantes.
Mas em 30 quilômetros de praia não tivemos sorte e o pior é que o contato com a
natureza ativa na gente uma fome enorme.
A volta foi difícil. Em três horas
chegamos a São Paulo.
─ O domingo continua sendo uma
ilusão – comentei com minha mulher. Que tal uma pizza?
(Marcos Rey, Veja, outubro. 1995. Adaptado)